domingo, dezembro 28, 2008

Tempo outro

Este é um tempo outro. Subitamente tudo parece tão distante, que só um pedaço de insónia numa das noites vem lembrar a existência em que cabe o trabalho e o quotidiano. Este é um tempo de estar num outro lugar que é também um lugar de morada, mesmo que não lhe chame ainda casa. Gosto de pensar que é um território, um abrigo, uma zona de encontro. Aqui é um sítio onde se chega à procura de afecto como se ele nos faltasse a cada dia que vivemos e só aqui se sentisse essa segurança básica. Estas pessoas a que chamamos famíia não nos vão faltar quando precisarmos, não nos faltam quando precisamos, este é talvez o único conceito de família que reconheço. É verdade que este conceito se alarga a uns quantos amigos, acho que nunca são muitos os que sentimos como se fossem sangue do nosso sangue, aqueles que o tempo nunca levou, ou que se alguma coisa forçou essa separação, voltaram depois desse tempo.

Não é um tempo de férias, aqui e ali espreitam as tarefas que viajaram na mala e no computador, mas espreitam amortecidas pelo torpor das filhoses que ainda sobraram, pelas novas músicas que chegaram embrulhadas com laços, pelo riso das crianças que ainda ficaram. Aqui e ali espreitam as notícias sempre envoltas em papel negro, mas a dor que carregam chega-me mais ténue à pele. E mesmo a chuva e o frio incomodam um pouco menos, como se não fossem senão parte do que resta da festa e da festa que ainda virá.

É tempo de levar as meninas ao cinema, de me deslumbrar com o sobrinho mais novo e de constantar uma vez mais como é interessante o mais velho. É tempo de beber chá de limão com mel como se fosse possível ele afastar todas as gripes, de comer nozes a meio da tarde, de fazer roupa velha com as sobras do bacalhau, de afastar pensamentos sobre desgraça que a balança vai acusar assim que Janeiro entrar.

É tempo de sesta depois do almoço por causa de uma noite mais mal dormida e de lá encontrar um calor bom que se abraça aos pés e depois nos aconchega todo o corpo, e de encontrar nesse aconchego uma paz que a todo o custo se quer fazer perdurar, se quer para sempre.
~CC~

3 comentários:

Mar Arável disse...

É tempo de resistir

combater o destino

ousar ser feliz

Gregório Salvaterra disse...

Um tempo, um lugar de encontro contínuo de construção do sempre. Parece-me um bom augúrio para o novo ano.
Beijo
*jj*

abel neves disse...

Morada que não seja exílio. Boas andanças.