sexta-feira, dezembro 12, 2008

Ponte dos milagres (XII)

Ela disse-me que não queria o marido preso. E explicou: na minha aldeia perdoam as mulheres tontas, as que fazem pequenas loucuras. Sabem que queria muito um filho, e por isso compreendem que assombrada pelo desejo o tenha ido buscar a um hospital. Mas nunca compreenderiam que o meu marido o tivesse feito. E completou: Percebe Doutora?
Eu não percebia, eu antes não percebia. No curso de Direito só me falaram de leis, não das pessoas, nem de poesia.

Ele disse-me que era culpado mas eu não quero saber mais deste assunto. Estou aqui uns seis anos, porque nunca fiz nada disto e porque há muitas atenuantes para mulheres tontas que acreditam em milagres. Depois voltarei para o sol da minha aldeia. Que saudades tenho de figos, do cheiro do mar, das minhas mãos enrugadas pela água de lavar a roupa. E tenho saudades de ser tocada e agarrada, tenho muita saudade das mãos do meu marido.

Ela disse-me que eu só tinha que cuidar de tudo muito bem para quando ela voltasse. Nunca antes tinha feito tanta lida da casa, cansa como o trabalho na oficina. Quando os dias são grandes vou ver o mar como ela me pede e penso nela, penso muito no corpo dela e nos seus olhos. É estranho que só na sua ausência tomei consciência de como é bonita a minha mulher.
FIM
~CC~

3 comentários:

Anónimo disse...

Linda a tua história...

Mas injusta para ela!

Bom fim-de-semana

E. disse...

Uma história em doze partes. Como os apóstolos e os meses do ano. Muito bonita, mas mais que isso, bem escrita e plena de sensibilidade. Mas um desafio: o fim é fim de capítulo. E depois do ano novo, a história, o conto, transforma-se num livro. É o meu desejo para este Natal. E um prato de arroz doce.

CCF disse...

Pois é João, o conceito de justiça anda aqui ás voltas, cruzado com o que a sociedade é. Não sei se ela acharia injusto :)

E, ainda bem que gostaste! Continuar não sei, para já não! Fico pelo arroz doce.

~CC~