quarta-feira, agosto 20, 2008

Agosto rubro

Dantes o tempo parava em Agosto para que as forças com que enfrentamos o mundo se pudessem renovar. Era possível por uns dias pensar que a vida se resumia aos castelos e poças de água com que as crianças invadem as praias, aos pregões das bolas de berlim, às notícias parvas e insignificantes dos telejornais, capazes de abrir com um anúncio de uma abobóra gigante em Rio Maior ou com as festas de algum rei árabe instalado em Vilamoura.

Mas este Agosto está a acontecer sem inocência. Eu passo naquela rua onde hoje um homem foi morto num assalto, é já ali quase ao virar da esquina . Eu faço um número de vezes sem conta e a todas as horas do dia ou da noite aquela auto-estrada em que uma carrinha foi barrada e aberta com explosivos, eu frequentei com regularidade nos últimos tempos aquele hospital onde uma mãe em desespero deixou um bebé recém nascido (e cujo parto, que ironia, foi em casa). Este Agosto, o coração não teve quase direito a parar, a meio das férias, em pleno verde absorvente, abrimos o mapa para perceber onde era a Georgia. E hoje não pude deixar de recordar as últimas duas horas em que estive fechada num avião por causa de uma falha eléctrica e do que senti na altura relativamente ao fio da navalha que se instalou nos voos e nos aeroportos, há alguma coisa que não está bem e é urgente intervir. Nunca um avião deveria levantar sem a certeza de que os seus motores estão bem, não se trata do vento, da noite, da tempestade, do que é acidental e não pode ser controlado pelo homem. Triste tarde em Madrid.

Para gente que não faz da indiferença aos outros o seu modo de ser feliz, já não há já descanso. Estamos condenados a viver de olhos abertos, coração tremente e em aflição permanente.

Já não há Agostos inocentes, em que se pode fechar os olhos e deixar que a lua quente se instale em nós num assombro de beleza capaz de nos fazer esquecer tudo.
~CC~

4 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

"Já não há Agostos inocentes", ou nós é que já perdemos a inocência de olhar para agosto com olhos molhados de luar? Olha lá Hiroshima (6 de agosto), olha lá Praga (20 de agosto), e mais haverá

Nenúfar Cor-de-Rosa disse...

Tens razão, toda razão, mas para nossa sanidade mental, convém de vez em quando, de quando em vez, fugir a estes horrores, fugir por um pouco...senão caímos num grande fosso, e angustiamo-nos permanentemente!

Quanto ao café à beira Sado, é só combinar!!:-)! Beijos.

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

... gostei de te ler e retive o acidente de avião; ouvi um piloto na tv:» quando viajo procuro informar-me de tudo ao que a esta diz respeito , de resto é o que faço relativamente à qualidade informação, dava o exemplo olhando a jornalista...» Foi mais ou menos assim, o que disse...
Mas, deu para perceber que uma viagem de avião não pode custar tanto como um bilhete de autocarro. .... Pode parecer cínico, mas não é, é realista , ouço toda a gente dizer que viaja por tuta e meia, nunca ninguém acrescentou mais nada sobre frotas, idade de aviões , duração de horas de pilotagem, nada...

abraço
JrMarto

deep disse...

Só forçando-nos a algum alheamento (não à indiferença) podemos levar os dias com alguma leveza... mas há dias em que não é fácil.

Um abraço