terça-feira, junho 10, 2008

A bola

Faço também parte do pequeno grupo dos quase indiferentes a esta loucura que toma conta do país e parece anular todas as crises que nos atormentam. Não deixo de achar o futebol um jogo bonito e interessante, exige uma combinação sábia artes várias, talvez mesmo poesia. Está, contudo, há muito contaminado por tudo o que temos de pior: ambição desmedida, corrupção, inflação milinonária de talentos, violência, xenofobia. É um desporto rei, mas um rei obeso, opulento, pesado e sem capacidade de governo. E os meios de comunicação social fazem triste figura ao seguir passo a passo o cortejo europeu deste rei.

No entanto, desde há uns anos que procuro fazer com que a diferença que vai de mim ao outro não seja um abismo, mesmo que o outro seja um adepto apaixonado do circo montado nos quadrados de relva destas novas catedrais, novos lugares de culto. Não sinto nada quando vejo as bandeiras portuguesas estendidas na janelas dos prédios das cidades, mas arrepia-me o silêncio dessas cidades quando há jogo. Arrepia-me a forma como a festa do golo ecoa pelas paredes e ruas desertas, mostrando que afinal ninguém dorme nem se foram embora, estão ali, vibram, estão tremendamente vivos. Talvez isto seja difícil de explicar, mas não são os jogos que me emocionam mas o modo como as pessoas se emocionam com eles. Mas é também claro que o fascínio por essa emoção não anula o repúdio, esse está alojado mais fundo na reflexão construída sobre o lugar que o futebol ocupa aqui e agora. Um triste lugar.
~CC~

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