quinta-feira, maio 29, 2008

Diários de Resiliência

Na Segunda

Um grupo de mulheres de idades várias, usavam uniforme de uma empresa de catering mas os clientes há muito tinham acabado o almoço e estavam apenas elas, embaladas na penumbra enorme do refeitório. Entrei por uma porta que não devia e deslizei pelo corredor tentando que não me vissem. Não me viram, absorvidas nas palavras que também me absorveram.

- A minha mãe deixou-me aos oito anos numa casa e foi viver para outra.
Silêncio das outras mulheres.
Ela grita:
- Eu só tinha oito anos, oito anos e fiquei a viver ali sem ninguém.
- Para onde foi ela?
- Foi atrás de um homem qualquer, dizia que não podia levar-me.
Os meus passos têm que deslizar dali para fora e não posso ouvir o resto, mas pelo rosto dela transformou aquela dor (que ainda transporta) em força.


Na Quinta...

Aqui posso despir as palavras da moda: terceira idade e idosos e chamar-lhes velhos. Ando agora por muitos lares e centros de dia, oiço-os, recolho os beijos, as tristezas, os sonhos que ainda vão perdurando, a maior parte das vezes os diálogos são semelhantes a este que aqui reproduzo.
Entro e estão doze crianças e doze velhos num terraço ao quase sol deste Maio, sentados em círculo, julgo que preparados para um encontro.

Animadora: cada um de vós apresenta-se e diz uma coisa que gosta muito. E eles vão dizendo um a um, num contraste absoluto com as crianças. Elas (quase) só falam de coisas, eles (quase) só falam de afectos. Elas dizem que gostam da play station, de ver novelas, de comer pipocas, de jogar futebol...eles dizem que gostam muito de estar ali, que querem todos em paz, que gostam muito da animadora, que gostam de passeios, que gostam dos netos... Até que...
- O que eu gostava era de morrer já!
Silêncio total entre os miúdos
Animadora (entre o zangado e o divertido): essa não vale, pense lá noutra...

E ela brincou o resto da tarde, foi mesmo das mais divertidas, esquecida do seu desejo de morte. Não sabemos por quanto tempo o adiou nem quando voltará a gelar os nossos corações com os seus desejos
~CC~

1 comentário:

Anónimo disse...

O meu coração também ficou gelado... agora.

Madalena