segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Sentados na mesa pela manhã


A saudade tem nome de tempo. A saudade chega de mansinho nos intervalos pequenos chamados segundos. Há tantas imagens que habitam um segundo. Umas demoram mais e ocupam quase um minuto. Esta aconteceu hoje, entre as 14.05 e as 14.06

Vejo a mesa posta pela manhã cedo e o cuscous a cozer no binde num dos bicos do fogão enquanto no outro se põe o café a fazer. Ambos chegarão quentes à mesa para que demoremos e assim se possam gastar as palavras que nos habitam. O doce de goiaba cobre a manteiga que já se derreteu na fatia quente do cuscous. Demoraremos. Gastaremos tempo neste nada que é transformar a comida em sangue e calor, aqui mais calor. As papaias podem partir-se de vários modos que experimentamos, ora as comemos fininhas com o garfo, ora cheias em meias luas, a polpa trazida pela colher. Ficaremos até não conseguirmos mais nos manter sentados, até o dia nos chamar para a vila, para o passeio, para a praia de areia escura.

Há ainda o rádio sempre ligado nestes pequenos almoços, às vezes nem o percebemos, outras ele impõe-se nos espaços brancos deixados entre as palavras e paramos para o ouvir. Há ainda a variante que ele traz quando não pode comer porque o grogue foi muito e é preciso ficar apenas a chá ou a gin tónico. Há ainda uma mão a repousar na minha perna, presa por um fio de lume, uma festa ligeira a acontecer por baixo da mesa, um gesto cumplice.

A saudade tem nome de tempo que já passou e ainda persiste teimosamente em nós, é este desejo de outra e outra vez que vai doendo ao mesmo tempo nos vai enchendo.

~CC~

6 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

sim. ponte. contra a saudade. na mesa de todos os dias.

Belo!!!
______________.

Anónimo disse...

Carla desculpa mas vou deixar um recado a Isabel MF

Usei uma fotografia sua num dos meus posts, não lhe pedi licença, porque estava sem comentários e não tenho acesso ao mail do seu perfil, nem de nenhum perfil, aliás.
Mas deixei link para o seu blog, "Piano"
desculpe, mas não resisti, era tão linda e vinha tão a calhar.

Anónimo disse...

O teu texto uma beleza; nunca vi tão bem definida a palavra "saudade"

agora coisas mais práticas
Fazem pão de cuscus? deve ser uma delícia
Mas porque não têm farinha?

Beijinho, tinha saudades eu de ti

CCF disse...

Marta, creio que a Isabel virá ler-te.

Quanto ao cuscous não tem quase nada a ver com o nosso. È uma farinha de milho(com mais umas coisinhas) que se coze num binde que é um tacho composto por duas partes, uma para pôr a farinha e outra para a água(por baixo). Coze a vapor e faz uma espécie de bolo que se tira e come com manteiga por cima: uma delícia!
O milho é uma cultura que se adapta lá melhor do que o trigo e por isso é de mais frequente utilização, mas há também pão normal, com farinha importada. Curiosamente trouxe de lá um binde fabricado em Portugal!
Beijinho
~CC~

Anónimo disse...

Obrigado pela explicação.

Tenho de te ensinar a fazer uma sopa que se fazia muito em casa da minha avó, Papas Laberças, feita com farinha de milho, se ainda não a conheceres.
Uma delícia.
E a sobremesa, que podias um dia fazer lá se levares o mel.

CCF disse...

Marta, não terei tanto jeito para a cozinha como tu, mas gosto. O mome da sopa é uma maravilha! Quanto ao mel, trago-o de toda a parte onde há. Em África, é mel de cana.
Beijinho
~CC~