terça-feira, dezembro 04, 2007

O tempo

Ilha do Ibo, Moçambique, Novembro 2007

O tempo, essa a diferença maior. Agora corro dentro dele e ele corre contra mim.


Nesses dias no Índico nada era assim. Sentava-me à espera do crepúsculo assim que o sol evidenciava o seu primeiro declínio. Ficava parada ante tanta beleza sem me conseguir mexer nem falar, absolutamente comovida. E só quando escurecia completamente o corpo se mexia, tão lentamente quanto húmido, porque ao anoitecer o calor consegue ser ainda maior. A roupa a colar-se a mim não me incomodava, talvez porque ela é sempre tão pouca, em comparação com a de Dezembro neste lado do Equador.

O jantar demorava quase sempre duas horas, nenhum de nós tinha pressa para nada, ninguém corria, depois de nós só havia a noite, o mar, o sono a chegar. Começava inevitavelmente com uma laurentina clara doseada para três. E depois outra e outra. Esta forma de beber nunca a tinha tido, mas era a nossa forma da cerveja não aquecer, estava sempre gelada na pouca quantidade que ocupava em cada copo. O tempo, tanto que por vezes não se sabia o que fazer dele. O tempo de espera pela comida é sempre muito, insuportável para o padrão ocidental. Para mim não, nunca me zanguei por causa dele, mudei a agulha na mudança dos oceanos.

E agora deste lado do Equador já ele me inquieta e vejo como inquieta tanta gente que está por perto. Hoje, metade das perguntas que me fizeram tinha tempo lá dentro.

Não sei como vou viver sempre deste lado do Equador. Sem Laurentinas claras e escuras em partição igual pelos comensais, sem tempo para ver o crepúsculo, sem mamoeiros a encher-me o horizonte.
~CC~

6 comentários:

Anónimo disse...

Impressionante a nossa capacidade de adaptação. :)

Um abraço amigo,
Madalena.

Mar Arável disse...

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João Torres disse...

Ainda me explicas um dia como escrever poesia disfarçada de prosa..... Ainda me explicas um dia como dizer tanto em tão poucas palavras. Ainda te visitarei um dia do lado de lá do Equador para voltar a sentir o que acabo de sentir ao ler o teu texto!

Um beijo
João

Cristina Gomes da Silva disse...

Gosto muito desse teu cenário sem tempo, mas aqui tem forçosamente de ser diferente. Bjs. Qdo puderes passa pelo "aquário de pó" há lá surpresas...

Anónimo disse...

O tempo e o espaço foram a minha grande dificuldade na minha adaptação a este lado do Equador.
Por isso é que sempre que posso fujo para o "lado quente da vida".
Adorei cada palavra deste texto, foi como uma viagem dentro de mim.
Carla

CCF disse...

Não digam nada a ninguém...mas hoje soube que talvez possa voltar assim de vez em quando :)
Talvez...é ainda tudo muito vago...
Venham daí!
~CC~