Lembro-me que as primeiras palavras quiseram logo nascer como se pudessem rasgar horizontes até à poesia. Enchia caderninhos pelos cafés, imitações mais ou menos próximas dos poetas que admirava. Recebia incentivos vários, sabia-os roubados mais ao carinho do que à qualidade das letras que alinhava. Depois a escrita tornou-se o peso de todos dizerem que o meu caminho deveria ser aquele. E claro que não foi. Fui para o campo aprender os nomes científicos das folhas das árvores e o modo como os animais deviam ser cuidados. Algumas pessoas manifestaram a sua desilusão perante caminho tão arredio. De dia ia para o campo, à noite ia para o teatro e a escrita a afastar-se cada vez mais de mim como destino profissional.
Mais tarde ela voltou e com ela um primeiro livro. Nada de poesia, nada de prosa poética, nada de intimidade. Era a investigação e a ciência que tomavam os meus dias e a escrita vertia-se em hipóteses, em números lidos em questionários, em entrevistas ligeiras ou prolongadas, em observação mais ou menos participante. Teve um tempo essa minha escrita, cansei-me dela e do mundo que ela me trazia, nem sequer tenho grande orgulho do nome que por aí fui deixando nos escritos mais ou menos científicos. Mas gosto muito do conhecimento, isso não está em causa. E volto regularmente à academia para o confronto com os pares e para perceber como são hoje os contornos e os desenhos do saber.
A escrita é agora um risco, uma ardósia incerta. O ano passado experimentei escrever manifestos, escrevi um em equipa para o CIDAC e gostei muito, a nossa bandeira era(é) a Educação para a Cidadania Global, conceito semi-inventado por nós e semi existente. E agora crónicas mensais para um sindicato de professores, o que julgava impensável em mim, tão avessa a filiações, anarquista não fosse o anarquismo ser também uma filiação. Fundamental para a escrita foi não me terem colocado nenhum limite.
Não sei já muito bem o que chamar à escrita que uso. Vou-me desafiando, é apenas isso.
A primeira das crónicas em http://www.escolainfo.net/
~CC~
4 comentários:
Desafiando ou desfiando?
Desafiando e desfiando :)
~CC~
sim, os dois!
engraçado ler a tua crónica, que é a demonstração do que sempre pensei:
que por baixo da doçura, estava uma quantidade apreciável de "fibra".
Obrigado Marta por teres viajado comigo a este e ao outro lado do equador e teres compreendido o sentido da viagem :)
~CC~
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