segunda-feira, março 31, 2008
Restos do dia
domingo, março 30, 2008
Guarda-rios e estuários (XII)
Soube nesse dia que não era eu a arquitecta do destino Almar porque esse estaria nas mãos de quem soubesse ler e não de quem soubesse construir, não de quem, como eu, desenhava na areia com tanta inquietude. E eu não lia bem nesse tempo, tinha essa dolorosa consciência de que me era mais importante escutar-me do que escutar os outros, mas não a generosidade suficiente para mudar. Mais, nesse tempo soube que a ruptura entre mim e o meu povo residia nesse modo de olhar o colectivo, na recusa em deixar moldar a forma do meu corpo pela do sangue quente que lhe tinha dado origem. No modo como ela, a mulher velha, diminuiu os meus sonhos e me reduziu a um ponto no universo dos pontos, começou aí a minha viagem. Mas não quereria, nunca quis que as sementes Almar se perdessem e muito menos que o meu povo se desligasse e se tornasse mais fugitivo e mais transparente que o próprio vento.
Apenas me revoltava porque tinha sonhos para as sementes enquanto muitas outras ficavam caladas quando se lhes perguntava ou diziam:não sei. Algumas das minhas companheiras usavam uma variante mais sábia: ainda não sei. E quando eu gritava: eu tenho sonhos, cinco ideias para as sementes, era frequente que o riso nascesse entre as mulheres mais jovens. Mais realistas que eu, afirmavam que sonhar as sementes era apenas um modo da mulher velha nos por à prova, porque o que era cada semente e o que dela nasceria, isso já se sabia há muito.
Onde estão as sementes, as sementes do meu povo Almar, é essa agora a minha angústia. E maior ainda é pensar que sei onde estão mas que me posso ter esquecido, que apaguei isso da minha memória como certas zonas de maior violência ou tristeza. Pior ainda é pensar que as tomei com o resto de algum rio, com a última água de alguma das nossas fontes, que as engoli todas numa noite escura e que agora vivem dentro de mim sem que eu saiba verdadeiramente o que são.
~CC~
quinta-feira, março 27, 2008
Teatro no adolescer
quarta-feira, março 26, 2008
Guarda-rios e estuários (XI)
terça-feira, março 25, 2008
Frio
segunda-feira, março 24, 2008
O espanto
Equilíbrio(s)
De qual delas gosto mais? Essa é já uma outra questão.
sexta-feira, março 21, 2008
Poesia-dia
quinta-feira, março 20, 2008
Primeiras flores
Separações
Há também a sensação por vezes estranha de que se separa quem não devia e permanece junto quem já não devia estar. O esgotar das razões e as razões que parecem não se encontrar.
E há um deles que vemos partir mais do que outro porque era com esse o nosso nó primordial, ficamos sem saber que dizer ao elo do par que sabemos que o tempo levará para longe de nós. È como se o seu rosto já se estivesse a apagar, como se a voz se estivesse a esfumar, como se do tempo que juntos vivemos já só reste a lembrança. Durante alguns anos pensei que devia acompanhar minimamente este que sairá do círculo, que é empurrado bruscamente para fora das festas de família, de aniversário, este que deixa de ser convidado para o cinema e para os jantares. Ultimamente já não consigo, já não consigo sequer telefonar e dizer: independentemente da vossa separação, sabes que podes contar comigo. Não é que tenha deixado de o sentir, sei simplesmente que não será assim. Sei que quem se separa não é só daquela pessoa que se separa mas do mundo inteiro que a acompanhava e que restam, nos casos em que existem, apenas os filhos. Há em alguns casos um desamparo enorme desta pessoa a quem nunca chamámos amigo porque o nosso amigo ou membro da família é o outro membro do par. E ficamos estáticos perante esse desamparo, imóveis perante o nosso laço de amor, sem palavras que possam dizer que a nossa escolha não é racional, não se faz pela justiça, tem por base sobretudo a cumplicidade que anos e anos teceram.
Um abraço, apetecia-me dar um abraço a esses que não mais verei. Com os outros, o meu abraço é permanente.
domingo, março 16, 2008
Coisas simples (I)
Isto é também um jogo?! Sim, a blogosfera é também feita destes jogos, de miúdos a brincar de mostrar e de esconder.
quinta-feira, março 13, 2008
Bairro Amarelo II
quarta-feira, março 12, 2008
Primavera
A noite tinha sido branca, cada hora a passar uma a seguir à outra em perfeita consciência, e com ela o medo a crescer. Assim que o sol nasceu meio pálido numa manhã ainda fria, saímos para a rua. Era preciso andar e andar e não comer nada, é pouco o que os médicos nos dizem às vezes, quase o mesmo que a vizinha do lado. Não podem ler nos nossos olhos porque isso poderia atrapalhá-los, então cruzam os olhares rápido para que a luz que podemos ter ou a absoluta falta dela, não os possa ferir. Como os ponteiros do relógio demos voltas e voltas em redor do hospital até que o sol acordou por completo e a dor se tornou tão grande que o corpo teve que se dobrar ao meio, num último esforço para ultrapassar a porta.
Tudo começou bem e a meio tornou-se mau e escuro e difícil. Mas o que fazem as sombras quando o sol chega forte? Era meio dia e acho que o chamei, chamei baixinho e sem nenhuma dor já, eu era apenas o desespero a chamar a esperança.
Foi no calor do meu sorriso que a vi e era uma princesa tão loira e tão bonita, que parecia ter saído de um conto de fadas. O que dizemos quando nascem flores? Que começou a Primavera. A minha chega sempre um pouco antes, desde há doze anos que anda assim a adiantar-se ao calendário. E cada ano mais bonita.
Parabéns flor.
~CC~
segunda-feira, março 10, 2008
Ousar
domingo, março 09, 2008
Links
sábado, março 08, 2008
Mulheres
sexta-feira, março 07, 2008
Ver e escutar
quinta-feira, março 06, 2008
Dias felizes
terça-feira, março 04, 2008
Nascer
O meu amor é um menino só a crescer entre as couves e as galinhas do quintal e a sonhar com mundos que lhe chegam para além do Tejo. Quando cresceu, foi ficando moreno, cada vez mais moreno e agora parece que sempre cantou mornas em crioulo. O meu amor teve muitos amores, amores bravios, outros doentios, e outros que não eram nada. O meu amor procurava, diz que me procurava.
O meu amor estudou muitas coisas. Ele pode ser um caçador de gambuzinhos, um encantador de aves, um corredor de bicicleta movido a vento, um flautista de palácio, um dançarino de baile da pinha, um cuidador de almas cansadas. Ele assa sardinhas e vai ao baile da paróquia, ele sintoniza a rádio Jazz e usa quatro talheres e alguns copos.
O meu amor diz que nasceu hoje, mas ele já nasceu muitas vezes, esta é apenas aquela data escolhida para a festa. O meu amor já nasceu dentro de mim, com um sorriso tão grande, que não há memória de nascimento tão feliz.
segunda-feira, março 03, 2008
No meu bairro
Os bairros deviam ser todos verdes e belos, rasgados para horizontes de mar e gaivotas. Os bairros deviam ser como os ninhos das cegonhas, equilibrados em aconchego sobre o céu. Mas não são. E não podemos evitar saber isso, ou não devemos.
Cruzei-me com este por acaso, mas não lhe fui indiferente. Às vezes parece-me tão sereno como uma pomba adormecida e lenta, outras vezes tão soalheiro como se fosse apenas talhado em vizinhança amistosa e outras ameaçador e negro como um buraco sem saída. Tem muitos rostos, mas apenas um chega à Comunicação Social, é invariavelmente pelo mal que brilha.
Desta vez, mesmo que apenas ocupe uma pequena notícia de rodapé ou pé de página, é por uma coisa boa que se falará (embora pouco, é certo, que o bem não faz notícia). Desde há ano e meio que cerca de 25 estudantes da ESE ocupam por lá os poucos tempos livres que lhes restam, entregando o que de melhor conseguem descobrir em si. Eles deixaram-se tocar quando os chamei e até hoje isso surpreende-me. Alguns ficam pouco tempo e não resistem às múltiplas pressões, mas outros ficam, mesmo muito jovens ainda e com uma experiência de vida completamente diferente desta. Eu também nunca morei num bairro social, também nos meus olhos doem algumas imagens.
Amanhã, por um momento, vão esquecer-se as divisões e conflitos que vivem na flor da pele , amanhã por um momento é festa. Afinal saiu o primeiro número do Jornal "Vozes do Bairro", nascido a tinta e papel, pelas mãos das crianças e jovens do bairro. Espero que este seja apenas o primeiro. Uma das nossas estudantes voluntárias contará do seu envolvimento. Há também jornalistas* que aceitam estar assim em acontecimentos modestos destes, julgo que se deixam tocar.
~CC~