quarta-feira, março 30, 2011
sábado, março 26, 2011
Praça do Brasil
Há uma semanas telefonaram-me. E a senhora dizia simplesmente: é da praça do Brasil. E repetia-o incansavelmente sempre que eu voltava a perguntar: sim, mas de onde?
Ela tinha razão, a praça Brasil é um universo inteiro. É este país no que ele tem de melhor e pior. É-o por causa das árvores velhas mas ainda belas, dos sem abrigo que povoam os bancos, dos muitos pombos que ajudam à decrepitude dos prédios dos anos 60, metade deles habitados por reformados, e a outra metade alugados a quem não pode comprar casa, muita gente de outros lugares, mescla de chineses, brasileiros e países do leste. As casas perderam valor, e não se vendem. As lojas da zona são exemplares do momento que atravessamos, um minipreço, uma merceeria antiga, três lojas dos chineses que antes apregoavam ser dos trezentos e agora passaram a ter nome de boutiques, e muitos cafés de bairro, três na própria praça e mais uns três ou quatro nas proximidades. A pobreza tem aqui inteiros todos os seus rostos. E no entanto, este é o meu povo no seu melhor.
As velhas senhoras do Minipreço cumprimentam as empregadas por minha menina está tão linda esta manhã. E elas devolvem o cumprimento com um sorriso perguntando pela saúde e pelos netos enquanto lhes arrumam as compras no saco que elas trazem de casa e enfiam os talões de desconto numa carteirinha à parte que deve trazer sempre. Na merceeria os morangos ainda sabem a terra de Palmela, porque aqui não há dos que parece que foram injectados com ar e não sabem a nada. E enquanto a senhora de cara redonda arruma os morangos, a neta chinesa, dois olhos pretos lindos, diz-nos olá, e puxa conversa falando um português sem mácula. Eu vim com a minha avó, diz sorrindo.
E a senhora que liga da praça Brasil como quem liga do universo, ligou para me dizer que embora com um mês de atraso, lá estava o DVD que o Pialat fez sobre o Van Gogh, e que não devemos desitir nunca do que queremos. Nunca, minha senhora.
~CC~
sexta-feira, março 25, 2011
Fora de moda
Chamam heróis àqueles homens do fatos brancos, despidos de tudo, a apagar as chamas das centrais nucleares. Anos antes nem fatos, no Verão quente da Ucrania, foram obrigados a estar ali de pele nua, morrendo lentamente.
Dizem às mulheres que não irão dormir a casa nessa noite, nem nas próximas. E quando voltarem, os seus olhos contaminados não contarão as histórias antigas, habitadas por monstros de duas cabeças, mas histórias modernas de terror em versão de reactores nucleares. Cresci a lutar contra isto, até que desisti por já ter crescido tanto que ficou fora de moda lutar contra isto, e também contra quase tudo o resto.
Parece que na Alemanha suspenderam as centrais nuclares. Tarde demais e ainda assim a tempo. Deixem de vez os átomos nos seus berços, não os bombardeiem mais.
~CC~
quarta-feira, março 23, 2011
Tons
É este o país
em que o negro tem tons
e nos querem dizer que somos
as borboletas presas no casulo
e é só isso que está no semi círculo das gravatas
cinzento alinhado
variante de negro carregado
descemos e subimos avenidas
todas elas acabadas como rotundas
adornadas pelo artista da terra
se ao menos o teu grito e o meu
se tornassem esta primavera de papoilas
capaz de tingir meio universo
se ao menos o meu sonho e o teu
rasgassem a quietude das cores sufocantes
para trazer a lua a morar na terra
procuram-se horizontes
boletins de voto a tons de azul
sem partido e sem dono
outra casa.
~CC~
em que o negro tem tons
e nos querem dizer que somos
as borboletas presas no casulo
e é só isso que está no semi círculo das gravatas
cinzento alinhado
variante de negro carregado
descemos e subimos avenidas
todas elas acabadas como rotundas
adornadas pelo artista da terra
se ao menos o teu grito e o meu
se tornassem esta primavera de papoilas
capaz de tingir meio universo
se ao menos o meu sonho e o teu
rasgassem a quietude das cores sufocantes
para trazer a lua a morar na terra
procuram-se horizontes
boletins de voto a tons de azul
sem partido e sem dono
outra casa.
~CC~
segunda-feira, março 21, 2011
Recado
Rasga da árvore o fresco do seu verde. Arranca do mar aquele sal que nos fica a cada banho. Deixa cair as lágrimas a cada negrume. E deixa o teu riso ser lume em certas manhãs. E até à tua morte nunca deixes de dar um beijo. Cola a tua alma as coisas. E festeja hoje a poesia.
~CC~
domingo, março 20, 2011
Domingo no mundo
É preciso deixar que cada bocadinho de sol possa fazer nascer as flores na minha pele.
Assim enfrentarei melhor as tempestades dos dias, e as feridas que se abrem diante de mim, por vezes expostas nos olhos que quem passa, e de outras escancarada nos olhos de quem não nos vê do outro lado do mundo, mas que nós vemos ali, como se acordasse ao nosso lado. A dor é a dor, mesmo quando ela aparece em rostos japoneses sem lágrimas. De repente, eu sou a jovem que usou durante anos o crachá a dizer nuclear, não obrigado.
Assim enfrentarei melhor as tempestades dos dias, e as feridas que se abrem diante de mim, por vezes expostas nos olhos que quem passa, e de outras escancarada nos olhos de quem não nos vê do outro lado do mundo, mas que nós vemos ali, como se acordasse ao nosso lado. A dor é a dor, mesmo quando ela aparece em rostos japoneses sem lágrimas. De repente, eu sou a jovem que usou durante anos o crachá a dizer nuclear, não obrigado.
Somos esse pânico diário de um país à beira do nada, e somos também quem se esquece dele rapidamente, basta que seja Domingo de Primavera perto do mar. Basta que uma mão não nos deixe ir com o vento.
~CC~
quarta-feira, março 16, 2011
Gemido no mundo
Se ando esquecida de mim, como é que me posso lembrar do blogue?
Os dias, de tão cheios de matéria, secam-me o interior até restar apenas uma línguazinha de terra a salvar-se do mar.
Eu, uma línguazinha de terra a tentar salvar-se e não só de si própria.
É tudo ao redor. O Japão a asfixiar entre o terror da terra a tremer e a onda gigante. Portugal engasgado entre o zero e o nada dos partidos que aspiram ao poder. A Itália esmagada entre o puro marialvismo e as mães de Bragança. E os árabes, que a tantos inspiraram prosa e poesia e que a mim me congelam as palavras, presos entre várias ditaduras possíveis, uma já existentes e outras por vir, a tentar gritar liberdade.
Que será de nós agora que o mundo geme assim?
~CC~
sábado, março 12, 2011
quinta-feira, março 10, 2011
O beijo da morte
O beijo da morte é pura literatura, eu sei. Mas aconteceu-me esta noite. E foi tão intenso e tão aterrador que me deixou acordada a partir das cinco da manhã.
Parecia ser um beijo inocente e bom, de alguém cujo rosto não lembro. Queria-o e desejava-o. Mas em vez de parar o beijo continuava e continuava como um selo que não me deixava respirar.
E eu tentava sem êxito separar-me daquela boca mortal.
Acordar foi o modo de não morrer.
~CC~
PS. Psicanalista precisa-se.
Parecia ser um beijo inocente e bom, de alguém cujo rosto não lembro. Queria-o e desejava-o. Mas em vez de parar o beijo continuava e continuava como um selo que não me deixava respirar.
E eu tentava sem êxito separar-me daquela boca mortal.
Acordar foi o modo de não morrer.
~CC~
PS. Psicanalista precisa-se.
terça-feira, março 08, 2011
OIto
Todos os dias são meus.
Mas agradeço comovidamente a todas as mulheres que tornaram possível dizer esta frase.
E junto a minha voz contra o silêncio de todas aquelas que ainda não a podem dizer.
~CC~
segunda-feira, março 07, 2011
Perguntas inocentes (I)
Já vos aconteceu sentir que quanto mais perto estão da meta, mais ela foge de vós?
~CC~
sábado, março 05, 2011
Dia teu
Imagino que estava sol no dia em que nasceste, que contigo chegou a Primavera aos campos.
E isto porque imitas na perfeição as rolas em cantos chamativos.
E isto porque é pelas tuas mãos que o calor chega tantas vezes.
E isto porque com esse calor se afastam sombras.
E fica um um dia mais claro.
Nasceste é é início de Primavera outra e outra vez.
~CC~
E isto porque imitas na perfeição as rolas em cantos chamativos.
E isto porque é pelas tuas mãos que o calor chega tantas vezes.
E isto porque com esse calor se afastam sombras.
E fica um um dia mais claro.
Nasceste é é início de Primavera outra e outra vez.
~CC~
quarta-feira, março 02, 2011
Final incerto
Ontem a noite foi triste, mas por fim lá consegui adormecer. Motivo sem nada de mais, é a dor (ou o seu contrário) de quem cresce certamente, mas também a de quem vê crescer. Espinhos da maternidade. Mas não tive pesadelos, bem pelo contrário.
Tive um sonho muito bonito, cuidava de velhos numa instituição, e fazia-o com uma ternura, um desvelo que desconhecia em mim. E o mais engraçado é que a eu que dormia falava com a minha outra eu que estava no sonho, mostrando essa mesma supresa.
Tenho sentido o mesmo com uma das turmas que lecciono- ouvi deles o pior- e sei que é verdade. Mas tento esquecer-me disso, agir com eles ao contrário do que esperam. Ser alegre, ser carinhosa, incentivá-los. E não sei se conseguirei manter esse rumo. O desfecho está por ver, ainda é cedo, mas apetecia-me um final feliz.
~CC~
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