1. Ela cantaralova na casa de banho da faculdade, o pano com que acariciava ligeiramente a superficie do lavatório um mero pretexto. Era grande, gordinha, negra, a voz era grave e doce na morna que ecoava até ao bar. Por quantos anos as ouviremos cantar assim em crioulo nas casas de banho de um país distante?! Esta para mim era a segunda vez, há algum tempo atrás aconteceu-me o mesmo na casa de banho de uma área de serviço em pleno Alentejo, pelo calor morno da tarde. Desta vez meti conversa: tem uma voz bonita, nasceu em Cabo-Verde? Ela surpreendida falou baixinho, enquanto cantar, cantava alto. Nasci na Ilha de Santiago, conhece? De repente estava naquelas ruas calmas de S. Nicolau, a subir a ladeira até ao final da terra, olhando o esforço de talhar pequenas hortas com pouca chuva. E depois disse-lhe: cante, cante, nunca pare de cantar. Ela já não respondeu, pensando provavelmente que eu era um pouco louca, o que dado estarmos numa faculdade de Psicologia seria afinal normal.
2. Sou daquelas pessoas que vai sozinha ao cinema. O apelo do filme é sempre o mais forte. A tarde é dos solitários, dos velhotes e dos adolescentes. Nunca tive problema algum. Ontem um homem que se sentava na terceira fila da frente (quem é que se senta na 3ª fila nestes cinemas pequenos?!) levantou-se a meio do filme para sair. Levava na mão um saco de plástico de supermercado que me parecia quase vazio. Quando já ia a sair parou a sua marcha e ficou a olhar para mim no meio do corredor, fica ali a um metro de distância como uma estátua, penso que vamos ter problemas caso escolha sentar-se ao meu lado. Ainda por cima estou a gostar do filme e se ele se sentar, ainda vou ter que ser eu a sair. Parecem-me longos momentos em que ele está assim parado a olhar-me. Depois sai, um alívio.
~CC~
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