domingo, novembro 01, 2009

Ponto a ponto os dias

Estou sentada à mesa grande da escola, estou entre adultos, o caderno aberto para que me digam coisas. Mas eles não podem dizer nada, eles não querem estar ali. É a primeira coisa a saber numa reunião, assim conhecemos desde logo a razão do fracasso.

Há prostitutas na estrada nacional em direcção ao sul, menos que antigamente certamente. Estão agarradas aos seus telemóveis enquanto esperam no meio do nada, da estrada não lhes consigo ver os olhos nem saber se estão vazios ou cheios de sonhos.

O Homem passeia de tronco nu entre as mesas, falando alto para si próprio, na mão leva apenas a mochila e tudo o que é o seu mundo lá dentro. Não nos vê e nada sabe sobre nós, e nós nada sabemos sobre a sua loucura. Mas ele procura ver a sua imagem na montra de uma loja, procura-se. E nós também nos procuramos. Somos afinal mais iguais do que supomos.

Um dia, quando fores mais velha também vais contar as tuas histórias, diz-me ela. Diz ela depois de nos falar de quantas vezes o amor rondou por ela, quando tinha os mais belos olhos verdes das redondezas. Tenho, porém, a certeza de que agora é mais bonita do que antes, mesmo que não o saiba, não o possa saber.

A morte do amor é o adormecer da pele. Imagina uma pele sem poros, lisa, incapaz da troca. Já fiz isso comigo, matei dessa forma o amor, ou o que dele restava. Não deixes.

~CC~

4 comentários:

via disse...

este texto fez-me lembrar um filme com vários episódios onde a linha comum é aquele escorregar para fora, aquela coisa ténue que nos faz partir, abandonar.

Gregório Salvaterra disse...

Também me parece o script de um filme. O filme dos filmes dos últimos dias e primeiros do resto das vidas. Depois, é mesmo pelo sonho e pela pele que vamos. Sempre.

Mar Arável disse...

No fundo das palavras

um texto terno

e avisado

CCF disse...

Riscos no fundo das palavras..para filmes sim, é isso...
Abraços três,
~CC~