quinta-feira, julho 02, 2009

Semelhante

Pensava no seu corpo magro a lançar-se no espaço, alguma coisa que nunca fui e alguma coisa que nunca soube fazer. Pensava no seu cabelo apanhado e no modo como o meu, na sua lisura, se rebela quando o tento segurar. Pensava nos seus olhos grandes e espantados, dois bugalhos de luz, e no modo como os meus preferem baixar-se tantas vezes. Pensava no país que era o dela e que nunca gostaria que fosse o meu. Pensava no modo tranquilo como parecia viver sob os holofotes, coisa que me assustaria imenso. Pensava na sua morte, nas palavras que todos escreveriam sobre ela. E como durante todo este tempo apenas tinha visto um espectáculo seu, e dele guardava tão pouca memória. E foram as palavras dele* que criaram sentido para a tristeza que sem muita razão eu sentia, afinal ela fazia dançar o medo. Tinham sido essas as palavras de Pina Bausch para explicar a vontade maior de movimento e mais movimento. Era isso o que nos assemelhava, o que unia as nossas vidas, o que tornava para mim tão triste a sua partida. Artistas partem todos os dias e são magníficos. Mas havia qualquer coisa que para mim era especial nela.

São vidas de fazer dançar o medo, toda a vida, toda.

* Fernando Alves, nos seus sinais na TSF.

1 comentário:

Ernesto Carreira disse...

Partilho contigo.
Também fiquei triste e incomodado com a morte de Pina Bauch

Ernesto Carreira