sábado, abril 12, 2008

Amores primeiros (I)


Toda a minha infância foi dedicada a um único amor que acabou mal, ele desapareceu um dia sem que percebesse a razão da mudança de residência e sem um adeus que me permitisse guardar-lhe o rosto. Na memória, o nome a a certeza de que tinha caracóis.


Entre os onze e os treze apaixonei-me duas vezes, uma delas por um rapaz chinês que morava nos prédios do bairro e de vez em quando desaparecia para Macau. Trocámos olhares intensos e insultos vários e muito mais tarde soube que além de muito rico, fazia parte de um curioso trilho do Jet Set nacional, jamais poderia dizer nessa altura que a vida dele seria a que veio a ser. O outro caso foi mais sério porque foi com ele que conheci os Genesis e foi o primeiro que me pediu para tirar os elásticos do cabelo e os soltar. Os dois momentos mais intensos que vivemos foram uma dança num baile de anos na sala de convívio do prédio e um passeio num dia de sol até um descampado cheio de trevos onde nos deitámos lado a lado de barriga para o ar. Nada mais. Como ele não andava na mesma escola que eu, esperava ansiosamente por ele quase todos os dias, que descesse até ao pátio, que fosse à janela, que aparecesse na porta da escola, era assim num tempo sem msn e sem telemóvel. Um dia ele conheceu uma das minhas amigas da escola, uma rapariga de olhos muito azuis e ar de princesa, percebi logo que havia no ar qualquer coisa, mas ainda demorou cerca de um ano ou mais até que aquele namoro ganhasse asas. Eu também já tinha me cansado das esperas, os trevos na minha memória tinham perdido a sua magia e os olhos dele tinham deixado de ser vagalumes negros.


Na verdade, o namoro dele com a minha amiga incomodou-me mas não muito, porque já me tinha tomado de amores pelo rapaz mais loiro e mais louco da escola, um adorador dos Beatles, com quem vim a experimentar o primeiro beijo aos catorze. Um beijo horrível, devidamente compensado pela forma dengosa e apaixonada como na canção "Michele" usava o meu meu nome para substituir o da personagem. Atormentou a minha adolescência porque julguei que ia morrer quando tudo terminou uns dois meses depois. Escrevi-lhe milhares de poemas e cartas de amor cheias de pétalas de rosa secas e manchadas de lágrimas. Por causa dele escrevi o meu primeiro romance que tinha o título horrivel de Mãe Lucia, a história trágica de uma mãe solteira. Tornar a amar alguém era impossível na minha cabeça de então, o amor para mim tinha simplesmente acabado, aos catorze, apenas aos catorze anos.

~CC~

4 comentários:

cs disse...

qualque amor quanda acaba é o último. quem nos dera a nós que seja o último por pouco tempo...!!

Mónica (em Campanhã) disse...

reconheço-me nessas esperas e nesses fins de mundo

Anónimo disse...

eu, de uma forma outra, platónica, indízivel, também me conheço nessa espera. e agora fiquei a pensar, o que já tinhas amado quando te encontrei...por isso eu olhava para vocês e admirava tanto a maturidade...crescer com o outro dá nisso...

Bjs


JPN

CCF disse...

Cs, sem dúvida! :)

Mónica, também eu me reconheço em muito do que leio teu :)

JPN, amor, amor no que ele tem forte e grandioso...só o que me conheceste, o resto foram as paixões de infância e de adolescência e embora naquela altura elas significassem tudo,vemos mas hoje que não nos deixaram grandes marcas ou então o tempo lavou aquelas lágrimas muito bem. :) Abraço