sábado, setembro 18, 2010

"Expulsão voluntária"


"Monsieur, monsieur...
Bianca, jovem cigana búlgara de pés descalços, chora e implora a um agente policial que a deixe ir buscar as sandálias à cabana. Um bulldozer está já em acção no bairro de lata de Bobigny, subúrbios de Paris. Não há tempo a perder com o calçado que a rapariga não conseguiu enfiar."
Daniel Ribeiro, Jornal Expresso, p.7 de 17 de Setembro.

Como me apatecia ficar descalça como Bianca, não para correr livre de sandálias, mas verdadeiramente para as usar como símbolo de revolta. É assim que se constrói a raiva a correr dentro do sangue, é por causa dela que se pega em pedras, em sapatos, em tudo o que esteja à mão para arremessar contra a cegueira que toma conta do poder. Depois ficamos admirados pelo ódio avançar mais depressa do que avançam as ervas daninhas nos tapetes de relva. E pelo ódio não usar os meios mais adequados para se expor, mas os menos. Como poderá não odiar uma menina expulsa de um país sem razão aparente que não seja a pobreza do seu povo? E que poderá ela fazer ao seu ódio?

Desejo que possa fazer com ele algo mais nobre, mais digno de que o devolver sob a mesma forma, mas isso é uma tarefa que muitas vezes se afigura verdadeiramente impossível. As cicatrizes até podem não doer, mas a pele, essa revela-nos todos os dias as suas marcas. Ainda lhe chamam "expulsão voluntária".
~CC~

1 comentário:

R. disse...

Deviam chamar-lhe 'ignomínia premeditada', 'ultraje social', 'desassombro xenófobo' ou 'estupidez lamentável'.