terça-feira, março 16, 2010

Uma casa vazia

O que resta dos lugares que amámos, onde julgamos poder pertencer até a velhice chegar? Encontrei-me com a casa branca num Outono, mas lembro-me de a começar a amar no começo da Primavera, com as amendoeiras já plenas de flores, o sol a fazer sombra nas paredes e um cheiro forte a relva cortada. Lembro-me de gostar de estar ali a trabalhar até tarde, de apreciar o silêncio dos crepúsculos, e de sair já quase noite. Lembro-me de me apaixonar, sem saber exactamente por quem, só pelo gosto que era ser Verão e apaixonar-me. Lembro-me de ti a cantar pelos corredores. Lembro-me da festa que eram algumas equipas de trabalho, e das coisas únicas que fizémos. Lembro-me do José Luis Peixoto a recitar poemas no auditório cheio e de ter feito um esforço para não chorar.

Mais tarde chegou o inferno dos dias ali. Mas depois foi passando e houve um tempo outra vez bom. Tu estavas no andar de cima com o teu sorriso de menino grande. Ela estava no andar do lado, e tinha aberto a porta do gabinete, convidando-me a entrar, e mais tarde a porta da sua casa. Acreditei no vossos corações bons, mas agora já não estão mais perto de mim, não da mesma forma.

E agora a casa está cheia e completamente vazia. Apetece-me outra vez chorar, mas por não conseguir sentir absolutamente nada. Resta, no entanto, este cheiro a relva cortada, este verde a recortar-se contra o céu, esta beleza branca. E dois sorrisos jovens, a única coisa boa que trouxe hoje para casa, agarro-me a eles como a um passaporte capaz de me levar para além da fronteira, para além do vazio.
~CC~

2 comentários:

via disse...

os espaços onde fomos felizes, guardamos as memórias e elas fazem-nos sentir de novo, com uma certa amargura, é certo, mas ainda assim, sentir.

Anónimo disse...

Um beijo grande, aqui de um 3º andar!