quarta-feira, março 31, 2010

Resistir

Alguns cidadãos, alguns profissionais, não importa se são politicos ou não, assumem em privado a sua esperteza em enriquecer à custa de grandes e pequenos expedientes claramente ílicitos. O ílicito é quase sempre o uso da influência, da pressão, da coaçção para obter ganhos próprios. É uma esperteza que é muito gabada, a não ser quando se é descoberto, e é trazido para a praça pública. Conhecemos isto desde sempre, e desde sempre sabemos quanto é inaceitável.

Mas por um momento somos todos passíveis de corrupção, pelo menos durante um segundo, somos vulneráveis. O não se deixar corromper é portanto uma obra lenta de construção, uma certeza que se vai criando, um edíficio que se constrói andaime por andaime. É pouco propangadeada esta luta, não há associações em torno dela, pelo contrário muitos dos que conhecemos com esta postura são tidos por parvos.

Hoje a GNR Trânsito mandou-me parar. Na certeza de que nada tinha feito nem percebia os sinais que faziam, pensei que queriam mudar de direcção e pediam para lhes dar passagem e assim fiz. Sem perceberem que eu não os percebia, fizeram soar a sirene e os sinais tornaram-se gestos fortes, insistentes. O ritual seguinte já é de todos conhecido. E eu não tinha feito realmente nada, a não ser não dar pelo tempo. Tinham passado dois meses da inspecção obrigatória para carros comprados há 4 anos. E ele disse: vou ter de a multar. E fez um silêncio, um silêncio que me pareceu excessivo, estranho. E pensei imediatamente que quereria um pedido de desculpas ou talvez algum dinheiro para não passar a multa. Essa minha suspeita cortou completamente o diálogo. E foi uma suspeita que cresceu com a demora, um tempo nitidamente em demasia para escrever um papel. Eu sempre dentro do carro, nem me mexi, nem disse palavra, desculpa só pediria se tivesse reconhecido colocar alguém em perigo. E a multa veio: 250 euros! Talvez com 100 tivesse resolvido a questão, tive a nítida sensação que sim. Tudo ali foi absolutamente estranho, desde o virem atrás de mim nas calmas durante um bom bocado, até aos silêncios demorados entre cada frase dita.

Jamais, em qualquer circunstância, daria dinheiro a um polícia para não me multar. E, no entanto, como compreendo que por um momento todos hesitem. E é nesse segundo de hesitação que a corrupção se insinua, manto escuro que tudo cobre.
~CC~

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