quarta-feira, janeiro 20, 2010

Desenhos

Naquele dia eu teria precisado de um diário gráfico para registar os olhos de todos os que olhei.


Ela tinha olhos pequeninos e rasgados num rosto branco com cabelos muito frisados, era uma mistura ocidente-oriente, mas parecia estar sempre a sorrir quando falava e abria muito os braços como se fosse capaz de nos levar com ela até ao tempo em que o Buda disse aos animais para atravessar o rio. Deu uma aula de nos silenciar uma hora, a um público dos 3 aos 80 anos, podemos perguntar a partir daquele silêncio interessado se outra escola, outra vida, não seria possível. Ela usou muito os olhos pequeninos e o sorriso grande.

Os meninos de bata colorida chegavam-nos à cintura e estavam tão bonitos para o dia da saída que pareciam poder figurar numa montra a ilustrar o coração do que é o jardim de infância. Não tinham medo de nada, e não choraram uma única vez. Pelo contrário, pareciam dispostos à aventura, mas com ar grave e sério de quem sabe que pode correr riscos.


E os jovens, uma turma do último ano do Basico, marcada pelo insucesso, demoraram bem mais a mostrar no olhar alguma alegria, só mais tarde, quando deram à mão aos meninos e aos mais velhos e os ajudaram a jogar é que se percebeu que daquela força silenciosa e agreste saia um sol líquido, capaz de amainar o dia de tempestade.

E as senhoras mais velhas eram todas como a minha mãe, lindas nas suas combinações de baton, mala e vestido, pareciam incapazes de se mover para além das cadeiras onde se sentavam muito compostas, mas assim que as bolas de trapo começaram a saltar, elas correram atrás delas com os meninos do jardim de infância e os adolescentes no encalço.

Se eu pudesse desenhar momentos felizes, se eu soubesse.
~CC~


PS. Foi no Centro Cultural de Lagos há cerca de um mês que vi uma exposição muito interessante de diários gráficos e cadernos vários. Também tenho sempre um caderno, estão agrupados por anos e estão cheio de rabiscos de pontos, letras, colunas e linhas, nenhum desenho. Mas dantes desenhava muito. É espantosa a qualidade do que vi naquela exposição, de fazer inveja a todos os que só têm à mão letras para falar dos seus mundos interiores e exteriores.

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