quinta-feira, setembro 10, 2009

Crónicas das águas balneares (III) (de memória)


Não diria todos, mas muitos homens têm o estranho hábito de ficar em pé na praia. Ficam lado a lado, mais longe ou mais perto do mar, conversando com os olhos fixos nas ondas, também raramente olham uns para os outros nesses diálogos em surdina. Estes dois tinham uns vinte anos de diferença mas uma pose tão idêntica que os julguei pai e filho. O mais velho cobrava uma divída ao mais novo, tratava-se de uma renda de uma casa ou de um espaço comercial, qualquer coisa que já ia para três meses. Não alteravam a voz nem se angustiavam, havia uma frieza assustadora na entoação, claramente dissonante do conteúdo da conversa. O mais velho queria saber quando e como ia receber. O mais novo dizia que não podia prometer. O mais velho dizia que assim não podia ser, que precisava de um compromisso. O mais novo pedia mais tempo, o mais velho dizia que não podia lhe dar mais tempo. O dia não podia estar mais quente, o mar mais azul, o cenário não poderia ser menos apropriado para a guerra sem armas que ali se travava. Ao lado as mulheres pareciam as melhores amigas do mundo, riam e trocavam comentários sobre a miúda que enchia de areia o balde.

Levei o mês de Agosto a ter pesadelos com estas personagens, evidentemente com rostos conhecidos, às vezes eu própria o homem mais novo, nunca o mais velho.
~CC~

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