quinta-feira, outubro 23, 2008

Beleza (I)

Aos catorze sabia o que era a beleza masculina, apaixonei-me pelo rapaz mais bonito e desejado da escola e consegui namorar com ele uns três meses. Um êxito acompanhado pela angústia dos olhares permanentes sobre o objecto amado. Não sei se todas as pessoas deslumbrantemente belas precisam de público, mas aquele vivia disso. Depois a vida deu uma volta tão grande e depois outra e mais outra e perdi todos os padrões, nunca mais foi contemplada com a inveja das amigas nem com os olhares de admiração das mulheres pelo homem que me dava a mão. Só pelo silêncio das mulheres é que consigo saber que os meus homens não devem ter sido, não devem ser homens muito bonitos.

Recentemente terminei uma acção de formação, quase só mulheres, mas havia um homem. Achei-o efectivamente bonito quando o vi na primeira sessão de trabalho, mas depressa me esqueci dele. Estive aliás convencida que ele tinha faltado muitas vezes e por isso fui confirmar a folha de presenças, para meu espanto tinha estado em todas as sessões. Por me parecer quase impossível fui confirmar com alguém de confiança, que me sublinhou a palavra todas, ele tinha estado sempre presente. O homem, sem chama nenhuma, tinha uma beleza que morria no quotidiando, apagava-se no vazio.
Agora a publicidade televisiva de uma marca de automóveis, vejo uma e outra vez e não percebo a publicidade, é a minha filha que me ajuda, que explica. O homem que a mulher do anúncio escolhe é o mais feio, mas tem o tal automóvel, o tal que é barato mas muito charmoso. Ora eu acho que ela fez a melhor escolha em tudo, no autómovel e no homem, acho-o o mais bonito dos três que ela podia escolher. A minha filha ri muito, diz que não, que ele não é efectivamente o mais bonito, que é até feio. E rimos as duas quando lhe digo: e além de ser bonito, diz que não lava a loiça, mas aspira...não está mal, até porque as máquinas já vão lavando a loiça mas máquinas de aspirar ainda não sei se há.

Já é tempo de dizer que para se ser bonito é mesmo preciso o que está dentro, até porque mais de meio mundo anda a dizer o contrário.
~CC~

5 comentários:

João Torres disse...

Eu, não sou bonito, nem aspiro. Mas meto e tiro a loiça na máquina e tenho um carro barato!

Parabéns pelo olhar crítico e pela forma como nos fazes pensar ao ler os teus textos!

Bjs
João

isabel mendes ferreira disse...

E DO CONTRÁRIO ESTÁ O MUNDO CHEIO.



:)


CLARO O TEXTO.


BELA A PALAVRA. ASSIM.




ABRAÇO............!!!!

Mar Arável disse...

Sendo verdade para todos

os olhos que veem

também devem ser chamados ao texto

Todos somos olhados

Anónimo disse...

Ela escolheu-o pela sinceridade e porum certo ar de "bom rapaz". Talvez não seja efectivamente bonito. De todos, também o teria escolhido a ele - não pelo aspecto físico (continuo a preferir morenos!), mas po inspiração confiança e não ser convencido e presunçoso como os outros.

Definitivamente, o Exupèry é que tinha razão: "O essencial é invisível aos olhos (...)".

Um óptimo domingo! :)

CCF disse...

JVT, o carro não é lá muito barato :)

Abraço Isabel!

Mar Arável, texto para todos sim, até para mim.

Deep, percebi melhor o anúncio:)))É claro, o essencial é invisível aos olhos, isso torna tudo mais difícil.

~CC~