terça-feira, setembro 16, 2008

Homens e bichos (VII)


Perguntas-me quando é que o conheci? Ele era um rapazinho e eu uma miúda. Nesse tempo usava galochas cor de rosa com flores, era moda, mas não as usava só por por isso. Saia da escola e desviava do passeio pelo terrero baldio, enfiando os pés em tudo o que era poça de água, isto durava todo o outono até o Inverno alagar tanto a terra que não podia mais fazê-lo. Talvez não acredites, mas nesse baldio havia um ou dois moinhos de água abandonados, eram do tempo em que o Tejo era um outro rio. Encontrava invariavelmente esse miúdo junto aos moinhos, ficava parado a ver-me até eu passar bem ao largo. Não percebia o que fazia ali sozinho, o filho do moleiro é que não podia ser.

Um dia acenei-lhe e sorri e ele correspondeu com um aceno, mas sempre sério. No dia seguinte tive coragem e perguntei-lhe porque é que depois da escola ia sempre para ali. Disse-me: ando à procura de um tesouro! Quantos rapazinhos conheces que aos oito anos gastem o que resta das suas tardes à procura de tesouros? No dia a seguir eu também já era uma caçadora de arcas de oiro, sonhava encontrar os colares e os brincos de pelo menos uma dúzia de princesas.

Quando penso nisso hoje...como é que se procuram tesouros debaixo das pedras de um moinho? Nunca mais nos separámos, só ele é que me chama Maria, mais ninguém, é o que o meu nome é Mariana, mas ele disse-me logo que esse não era um nome real, por isso aqui me tens, feita rainha do nada. Desde que ele arranjou emprego nesta escavação que o meu vazio aumentou na proporção da loucura dele.


~CC~

4 comentários:

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

o pouco traz sempre sem querermos um mistério grande , às vezes dura uma vida inteira ou seria preciso outra para que pudessemos prender nas mãos um fio , pequeno que fosse !
Gostei muito de ler
Abraço_________________ Josè Ribeiro Marto

A OUTRA disse...

É bom sonhar e manter os sonhos de crianças.
Pena é que as pessoas cresçam e percam o sonho e o bocadinho de criança que deviam manter dentro de si.
Gostei do conto.
Maria

Gregório Salvaterra disse...

Sei de um rapazinho que aos oito anos já tinha empreendido várias expedições para encontrar tesouros. Mas depois distraía-se a apanhar grilos que punha dentro de pequenas gaiolas feitas de cana e à noite punha-os no parapeito da janela do seu adormecer.
Uma estória com o Tejo por perto, também.
Beijo
*jj*

CCF disse...

É tão bom escrever, tanto como vos saber desse lado a ler.
Abraços
~CC~

PS- Deep, também adoro um café e dois dedos de conversa, este ano encontraremos um modo, talvez a meio caminho entre norte e sul.