segunda-feira, agosto 18, 2008

Agosto

De que tempo é feito este tempo outro que nos corta ao meio o ano? Nem todas as férias são durante Agosto mas Agosto é este mês de águas paradas em que tudo dentro de nós parece desejar evadir-se, é uma espécie de letargia umas vezes tão alegre que parece que nunca mais pararemos de nos deleitar com o sumo das melancias e com o sabor que o sal nos deixa na pele. Neste tempo que é de Agosto a Sul depois de ter sido de Agosto a Norte, é a felicidade de não estar só, de dentro da minha vida se alojarem tantas outras como num ninho, é o gosto por esse calor. E de outras é Agosto tecido de uma tristeza que nos vem cobrir como um manto sem razão forte, é um torpor feito de ausências sem nome e de desejos que nunca se satisfazem completamente. É de repente a tristeza de alguém que nos falta, de uma coisa que desejavámos ter ouvido do nosso amor, de uma vida que ainda assim podia ser outra.

E em Agosto os outros ganham o pleno dos dias, já não os vemos só no fim da tarde ou ao final de semana, eles estão lá o dia inteiro e não há fuga possível. E há aqui também toda a ambiguidade que costuma habitar os dias, sem encontro marcado e sem dias aos bocadinhos, conhecemos melhor os outros, eles mostram-se em toda a sua inteireza. E nessa inteireza volta a haver tanta coisa bonita, tantos acordares e anoiteceres iluminados por um sabor e por uma paz que o ano não nos deixa ter, tanta alegria nestes almoços ruidosos, nesta mesa a transbordar de gente ou em tempos a dois que parecem que são um luar a anunciar luz para sempre. Mas há também o resto, o modo como a intimidade gera por vezes a não escuta, o modo como se deixa entrar a lassidão nos compromissos que têm que ser colectivos para não pesarem mais a uns do que a outros, o modo como as rotinas entram dentro das férias para as tornar ainda rituais em que pesam preconceitos, rótulos e estatutos. O modo como a Educação dos homens, mesmo dos homens bons que se esforçam por respeitar as mulheres, se mostra ainda insuficiente para um mundo verdadeiramente de direitos iguais.


As férias são ainda um outro lado dos outros que se nos mostra e eu gosto de estar acordada a ver, tenho a vida sob observação permanente. E a mim própria também.
~CC~

1 comentário:

Mar Arável disse...

Tenho a vida em observação


BELO