terça-feira, julho 22, 2008

Mulheres livres (II)

Esta mulher esteve presa muito tempo mas creio que sempre foi livre. E agora, mesmo livre, nunca o estará totalmente, está no momento presa pela esquerda e pela direita e todo o espaço que tem parece reduzir-se, oprimido entre mundos cuja separação feita desta forma já não faz sentido. Ela, no entanto, parece querer conquistar agora uma outra liberdade, a de poder ser quem é.

Para a esquerda, Ingrid é rica e burguesa e excessivamente católica, para além de não mostrar grandes marcas do seu sofrimento em cativeiro, o que até torna possível pensar que terá sido beneficiada entre os prisioneiros. Mesmo a esquerda que aplaudiu a sua libertação começou a bater palmas mais silenciosamente quando a viu junto do presidente francês, não só porque ele é considerado de direita como porque uma mulher como ela não deveria mostrar-se junto a políticos, junto ao poder (mesmo que eles tenham sido importantes na sua libertação). O poder é, nesta visão do mundo, uma coisa contaminada em si mesma.

Para a direita Ingrid não é confiável, mal agradeceu a sua libertação ao presidente da Colombia foi logo dizendo que isso não a tornava refém da sua estratégia política. Para a direita, ela pode bem ter cooperado com as FARC em algum momento, para além disso é uma mulher que se casou duas vezes e que não parece presa neste seu último casamento, anda por todo o lado sem o marido. É uma católica da linha dos movimentos de libertação da América Latina e estes são tudo menos bem vistos no Ocidente Católico de hoje.

Acresce que para os colombianos que não gostam dela, ela é francesa. Já para os franceses que não gostam dela, ela é colombiana. Dizem que fala e se mostra demais, que conta histórias, que dorme em hoteis caros. Tudo serve para a denegrir e o modo como as notícias são fabricadas é demonstrativo, veja-se como os títulos são sugestivos: Ingrid Betancourt está de férias com os filhos nas Seychelles. Há gente que nunca vai ler o resto desta notícia, ficará sem saber que ela viveu lá durante um período e que foi aí que filha nasceu, que foi a convite do presidente das Seychelles, a maior parte das pessoas pensará que Ingrid já foi para umas férias milionárias.

Ela é inclassificável e disso eu gosto, não sei dizer se ela é uma mulher livre, mas que parece, isso parece. E isto é o que eu penso hoje, não a tenho obviamente sob vigilância, até porque vigiada ela já foi demais, mas estarei aberta a ver outros lados desta mulher, se eles me parecerem passíveis de crítica, mas até agora não vi.
~CC~

3 comentários:

JPN disse...

ora que gosto muito de te ouvir pensar....

Gregório Salvaterra disse...

Linda! A ardósia escrita no céu.
Baci, baci.
*jj*

apicultor disse...

Gente livre provoca muita estranheza, coisas da falta de hábito...