quinta-feira, julho 03, 2008

A construção do amor e outros edifícios(III)


Jaime era um homem bem parecido, com uma voz bonita, e muita confiança em si mesmo. Mal acabou a faculdade conseguiu o emprego que queria, nele a sua voz brilhava como uma peróla. A carreira correu quase tão bem como o amor. Hoje pensa que encontrou cedo demais a mulher que procurava, era ela, mas chegou muito cedo. Casou com ela mal se estreou no primeiro emprego e os filhos chegaram pouco depois, duas meninas lindas, com quatro anos de diferença. Ela era uma mulher alta e um pouco redondinha, mas os cinco quilos a mais davam-lhe graça, enchiam-lhe as covinhas do sorriso mais bonito que alguma vez tinha visto. Era activa e bem disposta, quente e lunar. Uma pessoa pode ter tudo isto e perder? Sim, diz Jaime, foi exactamente o que ele fez. Olha para mim e nem o reconheço, é sombra dele próprio. E porquê, porque é que perdeste o que tanto amavas? E ele diz o que já antes ouvi da boca de tantos homens: por estupidez, por mera estupidez. É este o nome que alguns homens dão à traição, não conseguem sequer pronunciar a palavra, é como se dentro dela estivesse uma ofensa virada contra si próprios.

Óscar tinha sido sempre o patinho feio, o tipo de homem com que nenhuma de nós sonhava estar, desde que nos tinhamos cruzado no pátio da escola até os anos todos em que ele nos aparecia sempre em algum lugar, soprado pelo vento leste. Quando pensavámos em beijos impossiveis, pensavámos nele: e o Óscar, já pensaste beijar o Óscar? Cruzes, canhoto! Casou com uma rapariga muito pequenina e magrinha, tão envergonhada, que nunca lhe ouvimos palavra. Nunca lhes conhecemos crianças. Com a maturidade passámos dos comentários parvos de miúdas aos preocupados. Imaginava o Óscar e a mulher nas mesmas operações dificeís que alguns dos meus grandes amigos: os corpos são escortinados a pente fino, despidos de toda a intimidade e o sexo é reduzido a um mero exercício de reprodução. Ontem o Óscar escreveu-nos um e-mail, nele diz que chegaram os dois filhos dele, um com quatro e outro com seis e que será ele a pedir licença de maternidade pois a sua menina mãe está a acabar o seu projecto de investigação e ele não vai deixar que ela o abandone. O Óscar, quantos beijos não valia afinal o Óscar!

Estes dois homens talvez existam ou não, talvez tu os conheças também.
~CC~

3 comentários:

João Torres disse...

Lindo, como sempre.

Bjs
João

Gregório Salvaterra disse...

Lindas estórias de construção e encanto.
Os homens são capazes de existir assim como esses dois e até po mesmo poder ter os dois dentro de si. Acredito que as circunstâncias moldam muito das transformações que se operam, mas também acredito que podemos exercer alguma transformação nas circunstâncias.
Também sou capaz de imaginar que esses personagens até poderiam chamar-se Alda e Isabel.
Beijo
*jj*

Anónimo disse...

Dois modelos, dois pontos tão comuns, duas fronteiras de interface.

A dificuldade é reconhecer os núcleos de Óscar nos nossos homens, dar-lhes valor e encontrar os átomos nos outros, de maneira a que de mansinho os afastemos da atitude de perda e eles voem para a autenticidade da entrega. Porque a sentem sua.

Acredito também que ambos e nós, precisemos de uma imensa sabedoria para esse encontro e reconhecimento. T