O homem chega com uma pequena carrinha, é tão pequenina que parece um ovo a rolar na estrada. A carrinha não tem marca que se veja e parece um produto adulterado, não por isso ser moda, mas porque foi construída às peças, como se fosse uma casa de um bairro clandestino, em que já há janelas mas a pintura ainda tarda. O homem vem ao fim da tarde, às vezes durante todos os dias de uma semana. O homem é já velho mais ainda tem força, caso contrário não arrancaria objectos tão grandes do lixo, objectos que não sei como encontra dentro dos contentores, nem para que os quer.
A princípio pensei que vinha colocá-los secretamente no lixo, na hora parda em que todos se preparam para jantar, por não querer chamar o serviço da autarquia ou por puro desleixo. Mas depois comecei a perceber que ele tirava as coisas do lixo, coisas partidas, velhas, fora de moda. Não sei porque as quer, não parece ser comida o que procura. E faz tudo a medo, olhando várias vezes para os lados e parando imediatamente a sua busca quando se sente observado. Imagino uma casa delirante com todos estes objectos que são pedaços de coisas outras, coisas que já foram de alguém.
Não sei que pobreza é esta, nem se é pobreza, todas as categorias que usámos para classificar o mundo parecem não ter já sentido.
A princípio pensei que vinha colocá-los secretamente no lixo, na hora parda em que todos se preparam para jantar, por não querer chamar o serviço da autarquia ou por puro desleixo. Mas depois comecei a perceber que ele tirava as coisas do lixo, coisas partidas, velhas, fora de moda. Não sei porque as quer, não parece ser comida o que procura. E faz tudo a medo, olhando várias vezes para os lados e parando imediatamente a sua busca quando se sente observado. Imagino uma casa delirante com todos estes objectos que são pedaços de coisas outras, coisas que já foram de alguém.
Não sei que pobreza é esta, nem se é pobreza, todas as categorias que usámos para classificar o mundo parecem não ter já sentido.
~CC~
1 comentário:
Há uma pobreza de cheques que voltam, de dias compridos que se alongam, de mais datas que beijos, de sofreguidão sem desejo. Há uma pobreza que rouba papel na repartição para não comprar, que finge que leva o filho ao inglês que já deixou de pagar, há uma pobreza virulenta, tão sangrenta como o dengue, envergonhada e miserável. Não que estes novos pobres tenham mais valores ou mais alma, tinham é expectativas maiores. Gostava de saber como devolver-lhes uma dimensão real, desinsuflar como diz o Miguel, mas não sei se tenho ferramentas, ou palavras. e mais triste ainda , o pior, é que de mim nunca acreditarão que já passei fome, encapotada, e sei tão bem, o que uns e outros sentem.T
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