Os lugares em que nos apaixonamos colam-se ao amor como uma roupa que o veste, que o molda. Às vezes não sabemos bem determinar o lugar, há um desenho de lugares que construiu o itinerário daquela paixão.
Eu tinha dois lugares onde o meu tempo parava. As estufas de flores e as livrarias. Na idealização do amor era junto das flores que encontraria alguém tão inebriado pela beleza quanto eu. As flores eram sempre belas, ninguém dizia: aquela flor é feia. Era esta capacidade de apreciar a natureza das flores nas suas diversas cambiantes que não existia quando os seres humanos se olhavam uns aos outros. Na natureza a capacidade de nascer e de vingar era suficiente. Parava em absoluto em todas os lugares onde se criavam e vendiam flores como outros paravam em cafés, restaurantes, lojas de culto. Quando a tristeza me sufocava ia até à estufa fria e à estufa quente em Lisboa, o único lugar em que era possível por momentos não ver ninguém, só natureza. Imaginava que era num lugar assim que encontraria quem me pudesse amar, alguém capaz de entender a relatividade contida em todas as coisas, a relatividade do que é o belo e do que é o feio.
As livrarias eram também os lugares mais perfeitos do mundo para encontrar o amor. Com um livro na mão sabemos quem somos e quem é o outro. Os dois com livros na mão sabemos que há entre nós uma ponte que já existe. Os dois com livros na mão somos seres sem corpo nem rosto, somos só uma luz, a mesma luz. Apaixonei-me numa livraria junto a um homem, os dois de livros na mão, em absoluto silêncio. Ou talvez não, talvez ele tenha dito qualquer coisa, não, talvez eu tenha ouvido qualquer coisa que vinha de dentro dele.
~CC~
Nota: Se, por um acaso, alguma coisa está menos clara, tudo se percebe por aqui.
1 comentário:
lembro-me de uma vez ter perdido um amor numa livraria. o teu post apaziguou-me. se calhar as livrarias são dos melhores lugares para perder um amor.
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