Yasmina tirou os óculos e poisou-os sobre a mesa, mostrando o cansaço dos seus quarenta anos:
Aos nove levaram-me para um lugar incerto, pensei que não voltava nunca mais, consegui fugir, mas escolhi não odiar.
Aos doze a polícia tirou-nos de casa numa acção de despejo porque a minha mãe não pagava a renda, mas escollhi não odiar.
Aos catazore fui apanhada a roubar chocolates num supermercado e apenas por um chocolate levaram-me à esquadra como se eu fosse uma deliquente, mas escolhi não odiar.
Aos dezanove o homem que eu amava desde os doze deixou-me por outra mulher, mas escolhi não odiar.
Aos vinte e dois acabei para sempre com qualquer hipótese de promoção na fábrica porque não entrei no carro do chefe quando ele me acenou à saída do trabalho, mas escolhi não odiar.
Tenho quarenta e a fábrica abriu hoje pela última vez e não faço ideia do que irei fazer amanhã, mas vou continuar a escolher não odiar.
Mas vê estas pessoas aqui do bairro, elas odeiam e eu sei porquê, é porque a vida delas foi igual ou pior que a minha.
Olho Yasmina e o rosto dela apaga-se no meu e o meu apaga-se no dela. Digo para mim as palavras dela, baixinho, para que elas me entrem para sempre no coração: escolhi não odiar.
~CC~
4 comentários:
Palavras sábias,
que só os corações grandes como o de
Yasmina podem sentir.
Para ela e para todos os que sabem como ela,corajosos e lutadores, passar por cima de tudo o que é ruim
um grande abraço.
para si CC
Bjs
Clo
É muito belo esse testemunho de fé. Esse acreditar que, apesar das mágoas, o ódio não é o caminho que nos leva à dignidade e à paz.
Lindo testemunho. E pensar que às vezes escolhemos odiar por tão pouco!
Um beijo grande
João
Ó JVT tem razão.
Sou pouco de odiar, mas às vezes por tão pouco sobe uma raiva...
A Alba também tem razão.
Lindo este teu restemunho
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