quarta-feira, outubro 06, 2010

Pessoas luz

Passei a frequentar amiúde o bar do hospital, um lugar triste animado por dois vasos de plantas grandes e verdes e paredes pintadas com muita cor. E se é verdade que a estética das paredes, dos quadros, das plantas, lhe traz uma luz menos difusa, é a senhora cinquentona que de quando em quando atende ao balcão que o ilumina.

Chama-me meu amor com uma doçura que me deixa sem palavras para lhe responder. Aquele meu amor já me trouxe uma lágrima (meu amor, hoje traz cara triste), mas a maior parte das vezes deixa-me sorridente (meu amor, não há água com gaz, beba da outra que lhe faz melhor). Já a vi sair do balcão para vir abraçar uma moça que chorava convulsivamente porque tinha vindo do Porto e não estava à espera de ver o pai inanimado nos cuidados intensivos. E esteve muito tempo abraçada a ela esquecida do balcão e nós à espera, mas numa espera solidária, silenciosa.

Neste tempo que foi vazio e triste, meu amor era um tratamento tão distante de mim e do meu mundo, que quase só facto de ela o usar me possibilitava amar-me.
~CC~

3 comentários:

via disse...

comovente este teu relato. Nos dias tristes sabemos reconhecer melhor os actos generosos e ficamos-lhes gratos, é uma das coisas boas da tristeza.

Ana Pires disse...

Quando nos sentimos fragilizados,são esses gestos ternos,que nos dão alento e nos
tornam a vida menos sombria.
Abraço
Ana Pires

CF disse...

Deixo sorrisos. Vim por curiosidade, dado que assino CF. Gostei de ter vindo :)